O que a prata conquistada na World Series significa para você e para o seu parceiro Kirill Khaliavin?
Após a última temporada olímpica, começamos a trabalhar com mais intensidade e confiança em nosso potencial. Acho que podemos estar entre os melhores do mundo nesta disciplina. É o que procuramos no dia a dia. Às vezes não notamos nosso desenvolvimento, porque estamos atentos aos detalhes, mas é competindo que percebemos nossa evolução.
Aonde você quer chegar?
Estamos focados no momento de agora, indo passo a passo, partida a partida... Sou torcedora do Atlético, você pode notar. Agora temos novos objetivos. No curto prazo, temos em dezembro o campeonato espanhol em Logroño; estão todos convidados! Em janeiro competimos no europeu e em março o mundial. Queremos superar marcas anteriores e continuar melhorando nosso desempenho.
Você fala sobre o dia a dia como um foco para melhoria. Como é sua rotina de treinamento?
Começamos às 9h30 com balé ou aulas de elevação. A parte acrobática é treinada fora da pista, com um treinador que nos ajuda com a técnica. Depois fazemos duas sessões de manhã e à tarde na pista, que no total somam quatro horas. Há outros dois dias por semana nos quais fazemos um treinamento físico extra. E também faço aulas de dança de salão.
Você se define como uma atleta perfeccionista, ou até mesmo obsessiva, que não sai da pista até que faça muito bem um exercício?
Somos perfeccionistas, mas há dias de tudo. Às vezes é melhor descansar e dar espaço a um de nós para que o corpo repouse. Às vezes, você deixa a sua dupla por dois dias e treina sozinho. Temos que encontrar o equilíbrio.
Você ainda não me contou sobre o trabalho psicológico.... Fazem algum tipo de acompanhamento?
Neste esporte trabalha-se de maneira particular porque existe um parceiro a atender. É um trabalho em equipe. De tempos em tempos, tenho uma colaboradora que já me ajudou em momentos de dificuldade ou quando tenho que lidar com pressões e expectativas. Mas não temos um profissional que nos acompanhe. Os trabalhos psicológico e emocional fazemos entre nós dois. Você pode compartilhar suas dúvidas com o seu parceiro e ele lhe dará apoio. Eu vejo mais o Kirill que meus pais. Somos mais que casados, porque a maioria dos casais não trabalha em conjunto. Somos uma empresa de duas pessoas e juntos aperfeiçoamos nosso produto.
Você mora agora em Moscou. Como está a sua adaptação?
Na maior parte do tempo estou treinando. O importante é estar contente no treinamento. Eu chego com toda a motivação do mundo. Todo dia é uma oportunidade. Eu moro sozinha em um apartamento. Nos primeiros anos morei com outra parceira de patinação no gelo. Moscou é uma cidade muito animada; tem coisas para fazer todos os dias. É ativo e divertido! Não é mais uma cidade fechada, pelo contrário, tem pessoas de todos os países. Conheci muitos espanhóis aqui. A mudança não é apenas na cultura, mas no nível da estrutura da cidade. As ruas são novas. Eles fizeram um investimento para a Copa do Mundo de 2018. É espetacular dar um passeio pela cidade. Na maioria dos fins de semana eu faço uma caminhada pelos enormes parques.
A patinação no gelo na Rússia é como o futebol na Espanha?
Completamente. A patinação no gelo é mais conhecida do que o futebol, embora com a última Copa do Mundo tenha se tornado igual ou mais popular, mas aqui os principais esportes são o hóquei no gelo e a patinação. Basta que um atleta russo tenha destaque para que as pessoas passem a segui-lo. O público que vem nos assistir já está formado e nos apoia, não importa se somos russos ou não, eles gostam da patinação no gelo.
Te param nas ruas?
Ainda não. Pode ser que alguém me conheça, mas tenho sorte de não ser reconhecida nas ruas.
Como é a disciplina russa no treinamento?
Eles são pessoas dedicadas e comprometidas. Se dedicam 100% a tudo que fazem. Kirill me disse: “Se eu não vou dar o meu melhor, não faço.” Isso é algo que está muito presente em todos os atletas russos. O esporte é o seu trabalho, sua definição de sucesso, sua vida. Sempre procurando o melhor. No nível de treinamento, eu diria que quando você luta por medalhas em qualquer escola de patinação, a disciplina sempre tem que existir... O estilo russo é muito direto quando se enfrenta a pressão. Eles são muito frios e lutadores, vão para a guerra. Mas no fundo esse é o nosso compromisso.
Você mora em Moscou e seu esporte requer muitos acessórios. Que tipo de auxílios financeiros você recebe?
O auxílio financeiro é precário. Mesmo terminando em 12º lugar nos Jogos, nos só conseguimos a bolsa ADO. Eu antes estava no programa Podium e agora tenho o ADO, que remunera menos que o Podium. Mas eu não vou dizer não ao ADO porque o Kirill perderia sua parte. Este esporte tem muitas despesas. Não é um esporte em que você só precisa de sapatos. Temos que editar música, coreografia, ir a aulas de dança de salão, as horas de gelo... Temos que alugar a pista por horas. Na Espanha, a maioria das pistas particulares prefere colocar 500 pessoas do que dois casais para treinar. Continuamos perdendo dinheiro, as dificuldades são diárias. Eu tenho que renovar meu visto a cada três meses e viajar por quatro dias para Madri para fazer isso.
O panorama é complexo.
Meus pais são meus maiores patrocinadores. A Federação é responsável por cobrir os treinadores e a pista. Os coreógrafos, a vida, os vistos, as viagens a Madrid... Tudo isso é por conta própria. Nós teríamos que ganhar o mesmo que Usain Bolt para cobrir todos os gastos
Como você se apaixonou por esse esporte?
Da forma mais natural possível, quando fui ao aniversário de uns amigos na pista de patinação “La Nevera”, em Majadahonda. Eu experimente e gostei. E comecei a patinar como uma atividade extraescolar. Também tocava violino, frequentava aulas de balé, jogava tênis...
Como a explosão midiática de Javier Fernández ajudou vocês?
Não notamos grandes mudanças, embora tenha sido ótimo em nível cultural. As pessoas agora conhecem nosso esporte. Acabou com o desconhecimento de antes. Se você conversa com uma pessoa na Espanha sobre patinação no gelo, ela vai lembrar do cara espanhol que faz isso muito bem. Parece mais importante para mim do que qualquer auxílio financeiro, porque permeia a cultura do nosso esporte.
Seu esporte chegou às telas com filmes como "Jo, Tonya". Eram outros tempos, mas como é a competitividade de hoje entre os atletas?
Eram outros tempos e isso acontecia em países onde há uma competitividade interna muito forte. Você tinha que superar concorrentes da sua cidade, do seu estado... Chegar à seleção é muito difícil. Antes podia existir essa tensão, mas hoje em dia entendemos que não depende da gente, e sim dos juízes. Não há muito o que reclamar, somos todos amigos e acabamos nos conhecendo.
Barcelona está trabalhando por uma candidatura com os Pirineus para sediar uma Olimpíada de Inverno. Isso teria impacto para o crescimento do seu esporte?
Trazer a competição para um país é a melhor maneira de quebrar o tabu e introduzir esportes de inverno, que ainda são desconhecidos por aqui. Nossos esportes de inverno ainda estão focados no lazer. Existem pistas de esqui espetaculares e estão todas cheias. É uma pena que ainda se não tenha sido traduzido para o mundo da competição.
Com o que você concilia seu esporte?
Continuo estudando. Eu estou no UCAM estudando Publicidade e Relações Públicas. Comecei com Jornalismo e Comunicação em Vitória, tinha aula presencial e estágio, mas não consegui conciliar. O UCAM me dá a opção de fazer isso online. Eu quero me manter envolvida com o esporte, mas não tenho algo fixo. Também gosto do mundo da arte, da dança, da expressão corporal...
Alberto Martínez
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